Leia a reportagem a seguir que descreve algumas características do Cariri e conheça mais a nossa região:
Ao olhar para a Chapada do Araripe, a maioria das pessoas não tem a menor noção de como toda a região se modificou ao longo dos anos e, sobretudo, que ela abriga alguns dos principais depósitos de fósseis do país. A riqueza de restos de organismos extintos trouxe ao Araripe importância internacional, reconhecida por pesquisadores de todo mundo: não existe paleontólogo que não tenha ouvido falar ou lido artigos relacionados aos fósseis da chapada.
Hoje em dia, a região da Chapada do Araripe pode ser considerada uma espécie de oásis em uma das áreas mais secas do país. O subsolo dessa formação, situada entre os estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, possui extensos reservatórios de água. Por isso, as terras próximas à chapada propriamente dita possuem uma vegetação abundante em espécies como o visgueiro, a faveira ou o pequi, entre outras. Já as extensas áreas ao redor da chapada, abaixo dos 400 metros de altitude, se situam, em termos ambientais, no semi-árido, com a vegetação típica da caatinga, com muitos espinhos: o mandacaru, a cabeça-de-frade e a famosa unha-de-gato que, com seus espinhos de um centímetro, são um verdadeiro terror para os vaqueiros.
Mas, no passado, essa terra estava debaixo d’água e era habitada por diversos animais e plantas que hoje em dia estão extintos. Em termos gerais, a Chapada é parte do que restou de uma área bem maior – a Bacia do Araripe –, que abrangia extensas áreas dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí. A história da Bacia do Araripe começa durante a fragmentação do supercontinente Gondwana, mais precisamente quando a América do Sul e a África estavam se separando.
Segundo os geólogos, essa separação se iniciou aproximadamente há 133 milhões de anos na parte sul desses continentes, formando o início do oceano Atlântico. Em algum momento antes da separação se instalou em todo o Nordeste brasileiro e parte da África uma extensa bacia, denominada de Depressão Afro-Brasileira, que abrigava um enorme lago de águas rasas. À medida que a separação entre a América do Sul e a África se iniciava, houve diversas fraturas na massa continental, fazendo com que algumas partes afundassem e aumentasse a deposição de sedimentos.
Nesse momento, formou-se um grupo de camadas que os pesquisadores denominaram de Formação Santana, que é a unidade mais rica em fósseis da Bacia do Araripe. A Formação Santana é subdividida em três unidades (ou membros), chamadas, da base para o topo, de Crato, Ipubi e Romualdo.
O Membro Crato é constituído por calcários laminados e representa rios ou lagos que existiam naquela região há 115 milhões de anos. Essas rochas são muito ricas em diversos fósseis, sobretudo de insetos e peixes de pequeno porte. Porém, penas, anuros, plantas, crocodilomorfos, tartarugas e pterossauros também são encontrados.
À medida que as placas tectônicas da América do Sul e da África se separavam, o ambiente de deposição também ia mudando. O Membro Ipubi, situado acima do Membro Crato, possui extensos depósitos de sais (principalmente gesso), inclusive alguns dos principais do país, particularmente em Pernambuco. O gesso está intercalado por rochas escuras onde também encontramos fósseis de peixes e plantas e até mesmo um pedaço de âmbar.
Cerca de 110 milhões de anos atrás, o Brasil já estava mais separado da África, com o oceano Atlântico avançando e criando diversas lagunas na costa do Nordeste. Apesar de não se saber quando se deu a separação final, dados geológicos e paleontológicos demonstram que já havia nesse período um grande braço de mar separando o Nordeste do Brasil da África.
Uma das lagunas deu origem às rochas sedimentares que formam o Membro Romualdo, com seus ricos nódulos. Em termos de vertebrados fósseis, esta pode ser considerada a unidade mais fossilífera da Bacia do Araripe, com milhares de nódulos calcários contendo restos de peixes muito bem preservados. Também são encontradas plantas como a Brachyphyllum, tartarugas como a Araripemys, crocodilomorfos como o Caririsuchus e o Araripesuchus, dinossauros como o Santanaraptor e pterossauros como o Thalassodromeus.
Depois, houve uma retração do nível do mar e a Bacia do Araripe passou a ser assoreada por sedimentos arenosos trazidos por rios. Aliás, são esses sedimentos que deram origem às rochas que receberam o nome de Formação Exu e hoje formam o topo da Chapada do Araripe. Por fim, devido a movimentos tectônicos, houve o soerguimento de toda essa área, trazendo para cima o que era o fundo da bacia. Com a ação do intemperismo houve o esculpimento do terreno, fazendo com que se formasse a Chapada do Araripe tal qual a observamos hoje.
O depósito de fósseis da Bacia do Araripe, mais propriamente as camadas que formam a Formação Santana, está potencialmente em pé de igualdade com os principais depósitos fossilíferos do mundo. Falta mais investimento, que permitiria que pesquisadores brasileiros coletassem mais exemplares, e uma maior conscientização da população local, para evitar que o material se disperse pelo mundo.
Nunca é demais lembrar que tudo o que aconteceu na região da Chapada do Araripe, que mudou de um fundo de lago e laguna para uma chapada com mais de 900 metros acima do nível do mar, ocorreu devido a grandes forças da natureza. E, pelo menos em teoria, tudo poderia se reverter – com aquela mesma região algum dia novamente sendo coberta por água.
Esse cenário faz com que nos lembremos da célebre frase atribuída a Antonio Conselheiro, herói popular de Canudos: “o sertão vai virar mar e o mar também vai virar sertão”. Naturalmente, se isso viesse acontecer, a explicação seria dada por dados geológicos, e não religiosos. Mudanças são um fato na evolução de um planeta dinâmico como a Terra. Mas ninguém precisa se preocupar com isso agora, nem fazer planos de mudança – essas modificações ocorrem em uma escala de tempo de milhões de anos.
AlexanderKellner, Museu Nacional / UFRJ. Academia Brasileira de Ciências.02/12/2005
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